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quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Formigas são preparadas com alho, bacon e calabresa no interior de São Paulo

O padre gosta de comer as formigas em uma paçoca, socadas no pilão. A dona da sorveteria as mistura com alho, calabresa e bacon. O prefeito prefere as formigas fritas com bastante sal. Mas o fato é que todo mundo em Lagoinha -cidade a 200 km de São Paulo- come (ou caça) içá.

José Maria Santos mostra algumas das formigas que pegou - Leticia Moreira/Folhapress

A reportagem do "Comida" acompanhou a primeira caça do ano. A temporada da rainha das saúvas acontece depois da segunda chuva de primavera. E vai apenas de 15 de outubro a 15 de novembro.

A içá só sai do formigueiro sob algumas condições. Primeiro, há de ter chovido forte um dia antes. Depois, tem de ter mormaço, ficar abafado, sem refrescar. E, mesmo assim, com as condições ideais, pode ser que elas, simplesmente, não saiam.

Além de fazer parte da tradição -um costume dos índios, que passou aos caipiras pelos tropeiros- a caça às içás é uma fonte de renda.

Em Lagoinha, estima-se que haja 50 catadores informais. O litro, com cerca de 500 unidades, custa R$ 10 na temporada- são vendidas em garrafas pet.

À ESPERA DE UM MILAGRE

"Perderam a viagem, né? Esfriou...". Foi assim que Zé Galvão recebeu a reportagem, na porta de sua casa, às 10h de quinta-feira, 25 de outubro. "Se continuar nublado, elas não vão sair do formigueiro de jeito nenhum."

A cidade inteira estava à espera. O violeiro Amarildo Pereira orientou a ronda pelos formigueiros e providenciou botas de borracha de cano alto para andar nos campos abertos e arados.

Nos primeiros formigueiros não havia nenhuma movimentação. Mas os "olheiros", orifícios por onde as içás saem, estavam "limpos", sem folhas, um bom sinal.

Içás que saíram do formigueiro no primeiro dia da caça em Lagoinha, a 200 km de São Paulo 
Leticia Moreira/Folhapress

No quarto formigueiro, no Morro do Aracaçu, Amarildo quase desmaia de felicidade. "Gente do céu, olha só essa 'ferveção'! Vai sair içá desse formigueiro hoje!". Ele checa a hora no celular. Era meio-dia. "Essa içá é a da tarde".

Para garantir, chama o primo Zé Maria dos Santos, o maior farejador de içás de Lagoinha. Zé Maria entra no formigueiro, observa o movimento com atenção por dez minutos e decreta: "Vai dar içá às 15h30".

Ele sai e volta exatamente no horário previsto. Estaciona a bicicleta e entra num modo de concentração absoluta.

Segurando nas asinhas das formigas, coloca uma a uma dentro de um saco plástico. Não pode parar, senão leva mordida. Içá não tem ferrão, mas a mordida é forte a ponto de deixar as mãos sangrando. O descanso vem só depois de recolher umas 2.500 içás.

FAREJADOR DE FORMIGAS REZA PARA PEGAR IÇÁS

"Pode cantar música de Nossa Senhora catando formiga?", pergunta Zé Maria, o maior farejador de içás da cidade de Lagoinha.

À medida em que avança na cantoria "Nossa Senhora, para chegar a essa terra, cruzou vales e campinas, mares, montanhas e serras (...)", cresce a colônia de içás que ele tira do formigueiro e coloca dentro de um saco plástico.

Para chegar às içás não é preciso cruzar vales, campinas, mares e serras, mas é preciso atravessar 365 dias e rezar para estar no formigueiro certo, na hora certa. Dizem que o pedreiro José Maria dos Santos fareja como ninguém os formigueiros que vão "ferver".

Zé Maria conversa com as içás enquanto as pinça, uma a uma, com as próprias mãos. "Não morde, formiga", repreende-as.

As formigas incrementam sua renda familiar. Seu recorde em um só formigueiro foi encher nove litros -vendidos a R$ 10 cada um.

A tarefa compensa. Tanto, que no dia de saída das içás ele não foi ao trabalho. "Nesta época, meu chefe sabe que me dedico à captura das formigas", diz.

Fonte: FOLHA

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